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Não Quero Ser Feliz. Quero é Ter Uma Vida Interessante!

  • Foto do escritor: Laís Comini
    Laís Comini
  • 16 de mai.
  • 3 min de leitura

"Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso. Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim."
"Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso. Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim."

A felicidade, enquanto ideal mercadológico, opera como um significante vazio que estrutura a subjetividade contemporânea, reforçando a lógica do desejo insaciável e do gozo compulsivo. Freud, em O Mal-Estar na Civilização, já apontava que o sujeito é atravessado por uma tensão entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, evidenciando que a "felicidade plena" é uma impossibilidade estrutural. No entanto, o capitalismo captura essa falta constitutiva e a transforma em um objeto de consumo, produzindo a ilusão de que a felicidade pode ser adquirida, mensurada e principalmente: comprada.


Lacan, ao introduzir o conceito de objeto a, aprofunda essa dinâmica ao demonstrar que o desejo nunca se satisfaz completamente. A felicidade, então, é vendida como esse objeto inalcançável, fazendo com que o sujeito se engaje em um movimento incessante de aquisição e acúmulo, acreditando que ao alcançar determinados bens materiais, reconhecimento social ou status profissional, conseguirá preencher essa falta. No entanto, esse processo apenas reforça a alienação do sujeito, pois a lógica do mercado sustenta o desejo como sempre faltante, gerando um ciclo infinito de insatisfação e substituição frequente do objeto que garantiria a 'satisfação plena'.


Essa articulação entre felicidade e consumo inscreve-se na ordem do discurso capitalista, onde o sujeito é convocado a gozar sem limites, ignorando os impasses da castração simbólica. A promessa de felicidade absoluta desconsidera o real da existência, negando o sofrimento e a singularidade do desejo, o que pode resultar em sintomas contemporâneos como ansiedade, depressão e burnout. A psicanálise, ao desconstruir essa lógica, convida o sujeito a reconhecer que a felicidade não é um estado fixo ou um ideal a ser conquistado, mas sim uma experiência subjetiva marcada pela abertura ao desejo e à falta constitutiva do ser.


Calligaris nos leva a questionar essa concepção superficial de felicidade e nos convida a viver uma vida pautada pelo desejo — entendido pela psicanálise como o que movimenta o sujeito e o impulsiona a novas descobertas. Diferentemente da felicidade como um estado fixo e eterno, o desejo é dinâmico, alimentado pela falta, pelo desconhecido e pelo imprevisível, que promove a possibilidade de criatividade diante do movimento da vida.


Uma vida interessante não está livre de sofrimento; pelo contrário, ela exige a aceitação da complexidade do existir, incluindo suas frustrações e desafios. O sujeito que se permite viver dessa maneira escapa da armadilha da felicidade idealizada e encontra satisfação em processos, relações e experiências autênticas — ainda que por vezes dolorosas.


Na era digital, questionar essa imposição mercadológica se torna ainda mais essencial, para que possamos resgatar a autenticidade e nos afastar da alienação promovida pela lógica narcísica' das redes sociais. Essa narrativa de busca da felicidade associada à bens materiais e status social, também nos aliena ao modo de vida encoberto que muitas pessoas insistem em performar. Ao nos deixarmos envolver por essa ilusão, tornamo-nos vulneráveis ao consumo impulsivo, às promessas enganosas de enriquecimento rápido promovidas por casas de apostas e ao culto a figuras públicas cuja influência se sustenta exclusivamente no consumo das marcas que elas representam. Sobrando pouco espaço no dia a dia para atividades prazerosas, criativas e que poderiam estabelecer uma conexão com a "felicidade" em seu sentido singular para cada sujeito.


Assim, viver uma vida interessante, como propõe Calligaris, pode ser um caminho para um sujeito mais integrado consigo mesmo — não aquele que persegue a felicidade absoluta, mas sim aquele que compreende que é na própria falta que reside a potência da existência.

 
 
 

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